Por Alexandre Figueiredo
Que vantagem tem colocar diferentes empresas de ônibus com o mesmo
visual? Disciplina? Nada disso! Essa ideia é tão patética quanto dizer
que as pessoas serão mais dignas se forem fardadas.
Nesse modismo da "mobilidade urbana" adotado por autoridades em várias
partes do país, seguindo um modelo adotado no auge da ditadura militar
pelo arquiteto Jaime Lerner, a malandragem política se junta ao mais
preocupante reacionarismo busólogo, dentro de círculos de poder viciados
em que poucos têm coragem de dissolver, visando preservar o status quo.
Enquanto isso, os passageiros precisam dobrar a atenção para não pegar
ônibus errados. É tolice dizer que o passageiro só pega o ônibus quando o
recebe pela dianteira, reconhecendo a bandeira do número da linha. E a
medida de padronizar as empresas de ônibus em cada cidade, além de
causar sérios transtornos, traz diversos prejuízos técnicos, financeiros
e sociais.
Não é preciso detalhar que Curitiba, a cidade que lançou essa medida,
planejada no mesmo período do governo do general Emílio Garrastazu
Médici, vive o declínio desse modelo, assim como São Paulo, uma das
cidades que implantaram o mesmo modelo, também no período da ditadura,
mas numa época posterior.
E, no Rio de Janeiro, a decadência segue a olhos vistos, mas como é uma
"novidade", deixam-se os problemas ocorrerem porque eles não são muito
claros e as autoridades e adeptos - sobretudo alguns busólogos dotados
de intolerância e desespeito humano - ainda gozam de algum "prestígio" e
visibilidade.
Não é só a padronização visual que é o problema maior. Ele é, traz
desvantagens, mas o "novo modelo" também inclui, em seu "maravilhoso"
pacote, a exploração exaustiva e cruel do trabalho dos rodoviários, e o
poder concentrado das Secretarias de Transporte, na prática a "dona" e
não a concessora de serviço, confundindo regular com chefiar, acumulando
mais poder político e assumindo menos responsabilidades.
Nos últimos meses, acidentes com ônibus ocorrem no Rio de Janeiro que
põem em xeque todo esse modelo prestas a ser apresentado em 2014 e 2016.
Seus defensores, tomados da mais cega arrogância, acham que tudo é
culpa dos rodoviários e do povo que "não sabe pegar ônibus". O que se vê
nos fóruns de busologia no Facebook, no Orkut e no portal Ônibus Brasil
é de arrancar os cabelos. Há busólogos que ainda parecem viver nos
tempos de carro de boi nos latifúndios da República Velha...
PADRONIZAÇÃO É SEGREGAÇÃO SOCIAL
Não custa repetir. A padronização visual, a uniformização de pintura nos
ônibus, nada tem a ver com ética nem com transparência. Pelo contrário,
a medida claramente inime qualquer transparência, porque camufla as
empresas de ônibus, desprovidas de sua identidade visual.
Isso confunde passageiros que não podem ver os nomes pequeninos que se
reduziu a apresentação de cada empresa. Num comboio de vários ônibus de
diferentes empresas mas de um mesmo consórcio, os passageiros precisam
abrir mão de seus afazeres pessoais para "prestar mais atenção" no
ônibus que pegar, para evitar pegar o ônibus errado.
É, infelizmente, como aquele ditado diz: "se correr o bicho pega, se
ficar o bicho come". Ou o cidadão cheio de afazeres identifica o ônibus
certo, ou perde o horário, ou embola os compromissos. Dá para perceber
que esses dramas - para não dizer os vividos por doentes, idosos,
gestantes e sub-escolarizados - não são vividos por busólogos "bem de
vida", cuja grande visibilidade não condiz com sua agressividade e
arrogância e pelo fato de que eles quase nunca usam ônibus, só os
admiram por fora.
A padronização visual, além de não ter a menor funcionalidade - nem a
Lei de Licitações, 8.666./93, possui qualquer texto que determine ou
defenda esta medida - , não garante transparência nem disciplina. E
ainda por cima sobrepõe a imagem não da empresa licitada, mas do poder
que a concede, o que, na prática, é uma intervenção estatal disfarçada
de "licitação". Mera propaganda de prefeituras ou governos estaduais.
Ela não traz transparência, porque oculta do público comum a
apresentação da empresa de ônibus que serve determinada linha. Não há a
apresentação da identidade visual que facilite a atenção do passageiro
comum. E, com isso, a empresa, sem zelar por sua imagem própria, também
perde a autonomia, devido ao poder autoritário do secretário de
transportes de plantão.
Isso não traz disciplina. O Estado manda demais no transporte coletivo.
Os passageiros são obrigados a dobrar a atenção antes de pegar um
ônibus. E nem pense que os busólogos mais espertos são imunes a essa
desatenção. Se eles se acham "imunes", é porque não andam de ônibus.
Andam de carro pelas cidades e fotografam os ônibus.
Eu mesmo, com toda a atenção que tenho com o sistema de ônibus, capaz de
memorizar rapidamente as linhas e as empresas, já confundi, quando
estava em Bento Ribeiro, no ponto de ônibus em frente aos Supermercados
Extra, um ônibus da Pavunense da linha 779 com o da Vila Real da linha
378. Eu estava para pegar o 378, na ocasião.
Imagine se eu pegasse o 779 e, em vez de ir ao Castelo vou para
Madureira, perdendo tempo e dinheiro. Claro, o culpado sou "só eu". O
busólogo "dono da verdade", não, porque ele não anda de ônibus. Se
andasse, num dado momento ou outro teria pego um ônibus errado.
Ninguém fica ocioso sempre só para prestar atenção em ônibus. Às vezes - aliás, muitas vezes
- nos ocupamos em outros afazeres. Se temos muitas contas para pagar
em banco, ainda temos que dobrar a atenção para ver se, na Av. Pres.
Vargas, no Rio de Janeiro, um ônibus é da Acari ou Verdun, ou se é
Matias, City Rio ou Ideal?
Isso ainda é pouco. Imagine uma empresa de ônibus que opera em várias
cidades e tem vários tipos de ônibus (por exemplo, um "cabrito", ou
seja, convencional, outro articulado e outro midi), que precisa gastar
mais tinta e plotagem para ter várias pinturas, em vez de adotar uma
identidade só. O gasto sobrecarrega as despesas da empresa, e não raro
se desvia o dinheiro que seria usado para a manutenção dos ônibus ou o
pagamento de funcionários.
A padronização é uma imposição de autoridades que não querem saber de
diversidade social. é um resquício de políticas fascistas de triste
lembrança na Itália, Alemanha e África do Sul, também tomadas da mesma
"racionalidade" de Eduardo Paes e Alexandre Sansão, a partir da
experiência de Jaime Lerner aplicadas em Curitiba e outras cidades.
Para uma cidade marcada pela coisificação do homem pela grande mídia, e
quando internautas troleiros não têm a menor noção de suas identidades,
já que vários deles não passam de fakes a assombrar com humilhações e gozações qualquer um que fale em cidadania fora da palavra padronizada dos palanques.
E o reacionarismo troleiro já dá uma amostra do quanto padronizar
visualmente é uma medida reacionária, até mesmo pelo perfil de seus
adeptos mais radicais...
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