terça-feira, 23 de setembro de 2014

MODELO TECNOCRÁTICO DE ÔNIBUS DE CURITIBA CHEGA AOS 40 ANOS CADUCO

Embora seja vendido como "novidade" nos últimos anos, o modelo de sistema de ônibus implantado pelo então prefeito de Curitiba, o arquiteto e urbanista Jaime Lerner, chega aos 40 anos caduco, sem poder responder aos problemas crescentes causados por esse sistema.

Apesar dos BRTs terem sido implantados em 1982, o sistema BRT já foi lançado em 1974 em suas caraterísticas fundamentais. E seu caráter "futurista", no entanto, ainda que apresente qualidades como o planejamento urbanístico e a criação de faixas exclusivas para ônibus - os chamados "corredores expressos" - , até o contexto político dá conta de seu caráter conservador e antiquado.

O próprio Jaime Lerner era, na época, um político da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), o "partidão" da ditadura militar e, na época em que foi implantado o sistema BRT em Curitiba, estava vigente o AI-5.

Nesses tempos, era intensa a repressão militar, com amplas atividades de censura na imprensa (censores trabalhavam em plantão em redações e departamentos de produção dos veículos midiáticos) e de tortura contra opositores do regime, que teve seu momento extremo em 1975, com os assassinatos, nas prisões, do jornalista Vladimir Herzog e do sindicalista Manuel Fiel Filho.

Lerner, fora de sua aura de "urbanista moderno", era um político conservador. Se formou na Universidade Federal de Curitiba sob a gestão do mesmo Flávio Suplicy de Lacerda que propôs a privatização das universidades e a criação de uma entidade estudantil substituta da UNE e subordinada ao Ministério da Educação da ditadura.

Tais medidas de Suplicy de Lacerda impulsionaram uma série de revoltas estudantis que marcaram a história do Brasil e ocorreram entre 1966 e 1968, quando a juventude conquistou a opinião pública pela sua coragem de enfrentar as forças repressivas do governo militar.

Como político, Lerner teve a mesma sede privatista de governantes conservadores como Paulo Maluf e José Serra, e adotava medidas anti-populares, contrariando interesses das classes trabalhadoras.

Mas um político conservador como Lerner sempre foi não teria que estar separado de sua imagem referida ao sistema de transporte coletivo. Em outras palavras, não existe um Jaime Lerner "demoníaco" privatizando empresas públicas e criando políticas salariais impopulares, e, de outro, um Jaime Lerner "santificado" por causa de suas ideias para a "mobilidade urbana".

Por isso, o modelo que ele implantou para o sistema de ônibus nem é tão progressista quanto parece. Primeiro, ele se baseia, no âmbito político-administrativo, no poder concentrado do Estado, embora no aspecto econômico mantenha a estrutura privada das empresas particulares.

Mesmo a construção de corredores exclusivos para ônibus mostra-se uma medida valorizada de forma exagerada, sem considerar as peculiaridades urbanas e ambientais das cidades, e também não resolvendo o problema dos trânsitos, cada vez mais lotados de automóveis.

O desgaste dos BRTs, que parece ser a "última definição" em modelo de ônibus mas que, comparando com o transporte ferroviário, corresponde a um transporte coletivo de pequeno porte, também é sinalizado com a tardia implantação do transporte de trens metropolitanos (metrôs) na capital paranaense.

O poder concentrado do Estado, simbolizado pela pintura padronizada que veta as identidades visuais de cada empresa em prol de uma imagem de "consórcios" vinculados ao poder municipal ou estadual, também não consegue responder ao controle e à disciplina de um sistema que, sob suas mãos, se sobrecarrega e fica a mercê de tragédias e transtornos à população.

Medidas de caráter antipopular como a redução de ônibus em circulação - em tese seguindo critérios de replanejamento de itinerários, mas na prática feita sem qualquer critério definido - e a dupla função de motorista e cobrador, mesmo com a desculpa de implantação de bilhete eletrônico, também só trazem prejuízos sérios e transformam o sistema em um caos para o povo.

Um dos aspectos mais sombrios é a disciplina militar à qual se submetem os rodoviários, sobretudo motoristas, que têm o horário de trabalho sobrecarregado e precisam aumentar a velocidade dos ônibus para cumprimento do tempo de percurso, não raro sofrendo problemas de saúde em pleno serviço, causando risco aos passageiros, e causando acidentes, até com mortes.

A estrutura de integração do transporte também cria exageros e distorções que, em vez de fazer o sistema de ônibus ficar realmente integrado, complica o deslocamento da população que agora precisa pegar mais de um ônibus, sofrendo desconforto e atrasos, com sério risco de serem demitidos pelas chegadas tardias ao ambiente de trabalho.

Dessa forma, no Rio de Janeiro, por exemplo, linhas como 465 Cascadura / Gávea e 753 Cascadura / Recreio são extintas em prol de uma "integração" que cria desconforto, sobretudo para portadores de necessidades especiais, obrigados a viajar no desconforto na linha troncal, só tendo algum conforto quando pega a linha alimentadora do seu bairro de residência.

A baldeação, por meio de linhas "calça-curta" (de percurso reduzido), causa muito incômodo para a população, principalmente para os idosos, tão desprezados pelas autoridades e tecnocratas e isso apesar do próprio Jaime Lerner ser um idoso, com 77 anos de idade. Geralmente quem viaja sentado no ônibus alimentador (bairro X terminal), tem que viajar em pé no ônibus troncal (terminal X centro ou bairro principal).

Há um acúmulo de transtornos, problemas, prejuízos e tragédias, que faz com que o "modelo Jaime Lerner" se encontra desgastado, decadente e sem eficiência real. As autoridades não percebem isso porque elas são as maiores interessadas e tentarão desmentir o quanto possível esse fracasso.

Mas a população sofre e percebe bem os prejuízos diversos, da "integração" à pintura padronizada, dos ônibus em alta velocidade à dupla função do motorista que cobra passagens. Os ônibus também já estão mais sucateados, mesmo quando ainda novos, e o sistema de ônibus, tão decadente, não consegue evitar o grande crescimento de automóveis nas ruas.

Por enquanto, os tecnocratas e os políticos estão no alto do poder afirmando que o "modelo Jaime Lerner, mesmo com problemas, está dando certo". Cabe à imprensa deixar esse sentimento "chapa-branca" e passar a ouvir a população, considerando não apenas os problemas mais óbvios, mas também os mais complicados (como a pintura padronizada e a baldeação por linhas "calça-curta").

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

JAIME LERNER DEIXOU VAZAR QUE SISTEMA DE ÔNIBUS DE CURITIBA É ENCAMPADO

O então prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, deixou vazar, em 1982, que o sistema de ônibus que ele implantou em Curitiba oito anos atrás é uma encampação estatal.

A constatação se dá com base no demagógico termo descrito nesse ônibus articulado, que diz "Propriedade do Povo". No jargão político, "povo" é um eufemismo para justificar a concentração do poder do Estado sobre a iniciativa privada.

Nessa época o sistema de ônibus implantado por Lerner em 1974, no auge da ditadura militar - era o tempo em que a repressão se tornava cada vez mais intensa e violenta e a censura cada vez mais  rígida - , havia sido atualizado com a implantação de ônibus articulados, que hoje viraram o paradigma do que muitos entendem como BRT.

No entanto, o sistema BRT (Bus Rapid Transit) é justamente o que já foi implantado em 1974, numa lógica tecnocrática e falsamente desenvolvimentista e que equivale exatamente a uma adaptação, para o transporte coletivo, das ideias de Roberto Campos e Otávio Bulhões para a economia.

VIOLAÇÃO DA LEI DE LICITAÇÕES - Esse sistema de ônibus, ancorado em medidas como a pintura padronizada dos ônibus e outras medidas como a sobrecarga do trabalho dos rodoviários, da ênfase nas baldeações e o uso do Bilhete Único, descumpre a Lei de Licitações (8666 / 1993).

Com base no que determina os artigos 11 (que condiciona um projeto-padrão a não interferir na natureza de cada empreendimento, quando assim for o caso - e é justamente isto) e 12, inciso II (referente à funcionalidade e ao atendimento do interesse público), esse modelo de sistema de ônibus comete duras infrações.

Primeiro, porque se trata de uma concessão de serviço de ônibus por empresas particulares, mas elas estão proibidas de apresentar a sua imagem, já que ela é monopolizada pelo poder concedente, que impõe seu visual (pintura padronizada, a pretexto de consórcios ou tipo de serviços) e, simbolicamente, se apropria das frotas que exibem a logomarca da prefeitura.

Segundo, porque a medida não atende ao interesse público e nem tem funcionalidade. É impossível a  funcionalidade quando empresas diferentes exibem a mesma pintura, e o desprezo ao interesse público se dá justamente porque dificulta o discernimento de uma empresa e outra na hora de pegar um ônibus.

Na prática, a pintura padronizada acaba expressando a imagem do poder estatal, com logotipos de prefeituras ou secretarias de transporte que se sobressaem até ao nome das empresas - que, em certas capitais, nem chega a ser mostrado - , o que indica um caráter implícito de encampação por parte do Estado.