quinta-feira, 29 de outubro de 2015

PINTURA PADRONIZADA EXPRESSA RELAÇÃO CONFUSA ENTRE ESTADO E INICIATIVA PRIVADA

A cada contexto, uma desculpa diferente. Isso é o que se observa quando autoridades tentam justificar a pintura padronizada nos ônibus, que embora não seja o único retrocesso feito para o sistema de ônibus do Rio de Janeiro, é uma das medidas mais nocivas e prejudiciais, portanto, sem qualquer razão para ser mantida.

Nela, os passageiros deixam de identificar, de forma imediata, a empresa que opera determinada linha de ônibus, o que os fazem dobrar as atenções para que não embarquem num veículo errado e tenham, por exemplo, que ir para o Caju quando a intenção era ir para Usina.

As autoridades arrumaram muitas desculpas para empurrar a pintura padronizada para a aceitação popular, variando do "combate à poluição visual" à "reorganização e disciplina". Só isso já afronta, explicitamente, a Lei 8078, de 11 de setembro de 1990, que corresponde ao Código de Defesa do Consumidor, o que faz as autoridades municipais cariocas cometerem, sem dúvida, uma ilegalidade.

Diz o artigo 39: "É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas", no que o inciso IV indica, com toda a clareza: " IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços".

A desinformação dos passageiros quanto a essa medida faz com que as autoridades falem o que quiserem, caindo em sérias contradições. Chegaram a dizer que a "identificação" da empresa é facilitada pela numeração do veículo, o que cometem uma inverdade, porque a sopa de letrinhas e números não permite uma identificação rápida, num contexto de correria cotidiana de uma cidade como o Rio de Janeiro.

Imagine alguém ver a diferença entre um D53509 e um D58609 com tantas coisas para fazer. Infelizmente, certos busólogos desocupados que só ficam bajulando autoridades e fazendo trolagem na Internet, na esperança de desmoralizar quem pensa diferente ao "pensamento único" deles (que segue a autorização do poder político-empresarial que apoiam), não percebem que as pessoas vivem com a mente sobrecarregada, e pouco ou nada fizeram para questionar ou tentar combater a medida nefasta da pintura padronizada.

Vemos claramente que a medida contraria vários artigos legais. A pintura padronizada já contraria a Lei de Licitações (Lei 8666, de 21 de junho de 1993), nos artigos 11 e 12, este no inciso II, através dos seguintes textos:

Art. 11.  As obras e serviços destinados aos mesmos fins terão projetos padronizados por tipos, categorias ou classes, exceto quando o projeto-padrão não atender às condições peculiares do local ou às exigências específicas do empreendimento.

O "projeto-padrão" é uma concessão pública de sistema de ônibus para ser operada por empresas particulares. A pintura padronizada, usada sob o pretexto de identificar consórcios, contraria as condições peculiares do local (os passageiros identificam um ônibus pela identidade visual da respectiva empresa), da mesma forma que se opõe severamente às exigências específicas do empreendimento, por ser uma concessão de serviço.

Sendo uma concessão de serviço, a pintura padronizada expressa, claramente, que a Prefeitura do Rio de Janeiro detém o monopólio de imagem nas frotas de ônibus. Concede as linhas às empresas, mas não concede o direito de cada uma exibir sua respectiva identificação visual, para facilitar os passageiros que querem pegar ônibus. Em outras palavras, a Prefeitura do Rio de Janeiro concede as linhas, mas "fica" com a imagem, o que representa uma intervenção simbólica, que evidentemente desobedece o artigo 11 da Lei de Licitações, uma licitação que não mostra as identidades das empresas licitadas, o que vai contra os propósitos da Lei 8666.

Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos:

II - funcionalidade e adequação ao interesse público;

A pintura padronizada não tem a menor funcionalidade. Colocar diferentes empresas de ônibus para exibir uma mesma pintura, na medida em que dificulta e confunde as coisas - isso é indiscutível - , não traz a menor funcionalidade. Complicar nunca é tornar funcional, porque a funcionalidade permite facilitar e simplificar.

É inútil usar de toda uma verborragia tecnicista para explicar a medida, adotar um tom institucionalmente moralista para empurrar a medida. A prática desmente qualquer alegação que seja feita com peitos erguidos, palavras empoladas e poses austeras das autoridades. É o cotidiano que mostra que a pintura padronizada não traz funcionalidade, já que ela traz transtornos diversos, entre os quais esconder empresas deficitárias junto a outras com alguma credibilidade.

Ela impede a atenção rápida dos passageiros e mesmo paliativos como exibir nomes de empresas em letreiros digitais ou colocar pequenos logotipos na pintura padronizada também se revelaram inúteis. O caráter de anti-funcionalidade é explícito, evidente e, portanto, indiscutível. A realidade diz mais do que horas e horas de palestras técnicas ilustradas por gráficos no Microsoft Power Point.

Aí vem o caso do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor e se observa que a pintura padronizada foi empurrada para a aceitação dos cariocas porque eles estavam desinformados sobre os males dessa medida. As autoridades cariocas apenas copiaram o modelo de São Paulo e Curitiba que foram implantados pela ditadura militar, e cujo êxito era discutível, afinal havia a Censura Federal e era proibido fazer qualquer questionamento aprofundado sobre muitas coisas.

RELAÇÃO CONFUSA

Afinal, a relação é parceria público-privada? As relações de concessão são iguais às de antes, só mudou o aspecto da pinturinha? Ou foi uma intervenção estatal? O atual secretário municipal de Transportes, Rafael Picciani, deu um indício de que a terceira ideia é que está sendo levada em conta desde 2010, quando afirmou que as empresas agora funcionam sob um "caixa único" e não operam mais de forma competitiva.

Mesmo assim, as desculpas que foram usadas, quando Eduardo Paes e seu então secretário, Alexandre Sansão - uma pessoa sem credibilidade para ser considerada especializada em ônibus, pois demonstra não entender do assunto - , impuseram a pintura padronizada, num processo feito "às escuras", sem consulta popular e com votação praticamente secreta e forçada da bancada aliada, revelam essas contradições.

A relação confusa já atropela o artigo IV do artigo 1° da Constituição Federal, que fala dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. As empresas licitadas são particulares, mas elas perdem a autonomia operacional, se tornando subordinadas ao poder público, que distorce seus próprios atributos.

Primeiro, pelo fato de que os secretários de Transportes passaram a confundir a ideia de fiscalizar e disciplinar com a de mandar. O poder público e as empresas particulares de ônibus estabelecem relações que, no discurso, parecem as mesmas antes de 2010, mas na prática estabelecem confusão entre descentralização e desconcentração na Administração Pública.

Reproduzimos mais uma vez o texto do JusBrasil, tirado de um especialista em Direito, que mostra o quanto a pintura padronizada confunde os critérios de descentralização e desconcentração dos secretários de Transportes:

"A atividade administrativa pode ser prestada de duas formas, uma é a centralizada, pela qual o serviço é prestado pela Administração Direta, e a outra é a descentralizada, em que a prestação é deslocada para outras Pessoas Jurídicas.

Assim, descentralização consiste na Administração Direta deslocar, distribuir ou transferir a prestação do serviço para a Administração a Indireta ou para o particular. Note-se que, a nova Pessoa Jurídica não ficará subordinada à Administração Direta, pois não há relação de hierarquia, mas esta manterá o controle e fiscalização sobre o serviço descentralizado.

Por outro lado, a desconcentração é a distribuição do serviço dentro da mesma Pessoa Jurídica, no mesmo núcleo, razão pela qual será uma transferência com hierarquia".

Sob a desculpa de se fazer uma descentralização - usa-se sobretudo a "fachada" dos consórcios, mas eles apenas desconcentram o poder da SMTR (Secretaria Municipal de Transportes do RJ), o que faz com que o tratamento que a Prefeitura do Rio de Janeiro dá às empresas de ônibus se equipara ao de órgãos subordinados e sem personalidade jurídica, e não ao que elas realmente são, empresas particulares de prestação de serviço.

A medida da pintura padronizada revela relações de hierarquia próprios da desconcentração e não da descentralização. As autoridades tendem a desmentir como querem. Paciência, é o mesmo PMDB carioca do deputado Eduardo Cunha, que parece não gostar de leis que protegem garantias e fundamentos em favor do povo brasileiro.

No entanto, as autoridades não têm como provar que fazem uma aberrante confusão no Direito, ao estabelecer, nas relações em que deveria caber a descentralização (prestação de serviço respeitando as pessoas jurídicas que a recebem do Estado), relações de desconcentração, como se as empresas de ônibus não tivessem personalidade jurídica (embora as autoridades tentem desmentir tal ideia, no discurso) e tivessem, por isso, que exibir a imagem da Prefeitura.

As relações de concessão de transporte coletivo não deveriam determinar a pintura padronizada, porque esta, mais que uma questão de visual, é uma questão de linguagem, pois expressa uma relação de hierarquia inexistente e imprópria ao processo. A imagem é ditada pela Prefeitura, e o nome da cidade deixa claro isso. Tanto que chegou a haver até, no anedotário popular, a criação de uma hipotética "Viação Cidade do Rio de Janeiro" para "substituir" as empresas existentes.

A medida da pintura padronizada é nefasta não porque eliminou as antigas estéticas visuais, mas porque impôs relações administrativas que atropelam os textos das leis, expressando uma séria e grave ilegalidade, que fere até mesmo a Constituição Federal, além de outras leis ordinárias e complementares. Sem falar que a pintura padronizada, no cotidiano vivido pelos cariocas, comprova ser contrária ao interesse público, sob os mais diversos aspectos.

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